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Afinal, tá liberado abortar no Brasil?

Foto: ACER Brasil, "Grupo Terapêutico para Adolescentes Grávidas".
Bem... Vamos com calma. Há uma semana atrás, especificamente no dia 29 de novembro, o STF entendeu que o aborto realizado até o terceiro mês de gravidez não seria criminoso, o que gerou comemoração para uns grupos e revolta para outros. 

A notícia trouxe o debate à tona. Diversas hashtags, posts, e comentários rodaram a internet questionando essa decisão. Boa parte dos discursos "pró-vida" vinham embasados na moralidade - de que o aborto é causado pela promiscuidade ou falta de métodos contraceptivos (aqueles que tem porcentagem de falha) - e até em conceitos religiosos - de que um feto "tem alma" ou que "Deus não permite". Isso quando não ignoravam a biologia, alegando que dentro desses três meses já há "um cérebro que pensa e um coração que pulsa" - neste caso, vale dar uma lida neste post sobre embriologia da bióloga Vera da Silveira.

Mas então, independente da motivação, a partir de agora as mulheres vão começar a abortar? NÃO. Primeiro que o caso da última semana veio à tona pelo processo de julgamento que fizeram de cinco médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias (RJ). Decidiram que neste caso, o aborto realizado dentro dos três meses iniciais não foi crime. Ou seja, no Brasil, o aborto segue descriminalizado apenas para casos de anencefalia, gravidez de risco e estupro, sendo as interrupções por outros motivos julgadas caso a caso. E segundo que nenhuma regulamentação fará as mulheres começarem a abortar, pois as mulheres já abortam.

A cada minuto, no Brasil, uma mulher aborta. Mais de meio milhão de abortos ilegais foram realizados no último ano. E quase 90% delas se declaram católicas, evangélicas, protestantes ou espíritas, mas isso é só detalhe. A grande questão é que mesmo criminalizando, essa quantidade imensa de mulheres está sofrendo os males de uma sociedade que tira a sua autonomia e que não a respalda quando o assunto é aborto, o que é caso de saúde pública de urgência. A necessidade de abortar está dada. E, além do trauma da decisão e dos frequentes casos de abandono, a criminalização dessa prática tem submetido as mulheres à muitas inseguranças reais, fazendo-as arriscar literalmente suas vidas em clínicas clandestinas e/ou com medicamentos perigosos. De todas as grávidas que morrem na América Latina e no Caribe, 10% dos casos são consequência de abortos inseguros. E é bom notar que, como o próprio doutor Dráuzio Varella disse, a situação é ainda pior para as mulheres pobres em situação de marginalização, principalmente as negras: quem tem uma boa condição financeira consegue fazer o procedimento de forma razoavelmente segura. Portanto, como afirmou o doutor, "proibir o aborto é punir quem não tem dinheiro".

Em outras democracias pelo mundo o aborto já foi descriminalizado, tendo bons reflexos em vários casos - como o do Uruguai, onde o número de desistência caiu 30%. Isso mostra como a lei não tem como o objetivo promover o aborto, mas tratar o caso como uma necessidade pública de saúde. Afinal, a partir do momento em que uma mulher busca um médico para abortar, ela é submetida a exames, psicólogos e outros agentes médicos e sociais para acompanhá-la de forma segura durante o processo. Não á toa que, no caso do Uruguai por exemplo, nenhuma morte foi registrada no último ano. Já pelo restante do mundo, pelo menos 23 países descriminalizaram para casos em que o aborto abale psicologicamente a mulher e outros 56 permitem em qualquer caso. Veja o mapa.

Finalmente, é fácil notar como o argumento "pró-vida" não está embarcando em nenhum momento a a autonomia, o direito à saúde e, principalmente, a vida das mulheres que passam por essa difícil decisão. E ainda para a parte que concorda com a medida, questiona-se se o aparato público existente é capaz de respaldar de fato o contingente de mulheres que necessitam realizar o aborto. Afinal, a falta de informação e de profissionais qualificados no sistema público de saúde faz com que, mesmo nos casos permitidos, o acesso ao aborto seja muito dificultoso.  Mas essa conversa dá um outro texto. Mesmo a polêmica tendo sido gerada diante da decisão de apenas um caso específico, ao menos o debate foi colocado à mesa.

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